terça-feira, 24 de maio de 2016

Caminhos de Santiago de Compostela | 3ª Semana



Por Sonia Lopes

3ª Semana do Diário da Sônia – De Casar de Cáceres a Fuenterroble de Salvatirre

Dia 13 - Casar de Cáceres - Cañaveral - 33 km



Se eu queria novidade... tive. Até de vaca eu corri achando que era touro. Tive muito medo. Mesmo. Mas, vamos do início. Saímos antes da 6h pq hoje seriam muitos km para percorrer. Sem opção de quebrar a etapa. Dizem que antigamente havia um albergue no meio do nada, que fechou tem uns 2 anos. Pela primeira vez na vida vi uma obra de engenharia moderna tão grandiosa em construção. Obras do trem de alta velocidade que fará Madri a Lisboa em 3h. Passei pelo Rio Tejo que aqui se chama Tajo.


Depois deste trecho de mais ou menos 15 quilômetros, nos distanciamos, e finalmente me vi sozinha no caminho. É uma sensação que ainda não consigo explicar. Adoro. O terreno foi ficando mais acidentado e as pernas começaram a chiar. Foi nesta situação que dei de cara com um touro enorme no meio do caminho estreito. Putz. Meu coração saltou e senti um frio no estômago. Desviei um pouco me embrenhando no mato, mas a distância não era maior que uns 3 metros.


Na sequência mais um e depois outro! Todos negros lindos e enormes. O último se virou e deu uns passos na minha direção. Se ele quisesse me chifraria até a morte pq não havia para onde correr. E mesmo que tivesse eu não teria pernas. Até dei uma corridinha ridícula. Logo adiante vi que havia vários muito perto da trilha.


Alguns minutos depois, passaram por mim 2 ciclistas. Pela minha cara de pavor eles foram logo falando que eram vacas... inofensivas. Voltei ao meu passinho trôpego de morta com farofa. Agora estou em um albergue muito charmoso novo e limpo. Sem pernas. Mais tarde tentarei fazer umas fotos de Cañaveral para o blog. Ô loco!

Dia14 - Cañaveral - Galisteo - 28.2 km


Parece que o tempo firmou mesmo. Os dias se repetem lindos e ensolarados. Da chuvarada gelada que me aterrorizou nos primeiros dias, só restam algumas poças enlameadas. Tudo bem tranquilo. Hoje fui surpreendida por um grupo enorme de alemães que faz Via com um ônibus de apoio. Disseram que fazem só os trechos mais bonitos e dormem em hotéis para não tirar as vagas dos peregrinos que chegam cansados. Achei super legal.


Me encheram de perguntas sobre como é fazer todo o Caminho a pé e por que eu me sujeitava a isso. Respondi sem pensar muito. Eles entenderam meu inglês... e que estranho isso tudo. Há 5 anos, eu não falava inglês, não ia a pé a lugar nenhum, nem sonhava em ter um passaporte. Como poderia me expressar em outra língua sobre coisas tao especiais e intensas como as que me chacoalham durante esses kilômetros todos?


De como se pode mudar uma maneira de viver de forma tão radical? Sei não. Sei que confiar na intuição sem medos é uma delícia. Ir a lugares desconhecidos meio que ao sabor do vento é embriagante. Confiar em uma força maior e simplesmente não ter medo é surpreendente. É como agradecer por estar vivo! É fazer valer a pena.



E hoje não teve touro. Mas teve essa cidadezinha de 1000 habitantes cercada por uma muralha fenomenal! Incrível!!!. Foi uma das minhas respostas aos alemães. "Porque a vida é incrível! E não acho justo desperdiçar". Nada.

Dia15 - Galisteo - Arco de Cáparra - 29km


Caminhei por campos que florescem depois da época das chuvas e são queimados pelo sol em no máximo 3 semanas. Florzinhas miúdas supercoloridas durante horas. Bem legal. Mas por muitos trechos havia lama, o que tornou o caminho bastante cansativo.


Conheci um grupo novo formado por um casal francês, um cubano que vive nos EUA e um médico americano. Vamos nos reencontrar amanhã em uma cidade que tem banhos romanos. Não faço idéia do que seja esse banho, mas é claro que eu vou.


O final desta etapa está chato, porque não estou em uma cidade. Estou em um hostel de beira de rodovia que fica próximo das ruínas da cidade romana. Mas amanhã, depois de 23 km, vai ter banho romano.

Dia 16 - Arco de Cáparra - Baños de Montemayor - 23 km


Tanta coisa para lembrar desse dia e já são 22 horas. Primeiro que, para despistar um peregrino chato que fala pelos cotovelos, saí mega cedo. Essa coisa que ainda carrego comigo de não ser direta para não magoar as pessoas, já me encheu o saco. Que idiota! Depois dos primeiros 10km, por conta da correria, acabei caindo em uma auto pista de 9 km. Pelo menos a direção estava correta.


O que eu não sabia, é que mesmo com um acostamento bacana, é proibido andar nas auto vias. Depois de uns 7 km, tinha uma obra e um engenheiro ( ô homi lindo) atravessou as pistas e me falou que eu teria que acompanha - lo até a saída da rodovia.


Carro do governo, uniforme e crachá, lá fui eu de "coche" até a Entrada do meu próximo destino. Encontrei facinho meu albergue e bora prós banhos! Woooow! Meu... Se um dia vc vier por estas bandas não deixe de tomar um banho romano aqui. Mas se fizer Sevilha Astorga a pé vai subir aos céus! Pacote Circuito Romano. 26€. Duas horas e meia de puro deleite. Sou uma nova mulher. E já mandei o espanhol tagarela se ferrar. Yeahhhhh!

Dia 17- Baños de Montemayor - La Calzada de Béjar - 13 km


Nossa que trecho duro. Lindo, curto e exaustivo. Levei 6 horas para percorrer... e para cansar a cabeça também, a sinalização está péssima. Achei que tinha me perdido pelo menos umas 4 vezes. Não sei como, fui a primeira a chegar ao albergue. Muitos se perderam no caminho e ainda estão chegando aos poucos cheios de histórias e alguns com as caras fechadas... rsrsrsrs


Alguns eu nunca vi. Nesta vila não tem nada. Só um bar na frente da igreja. (sempre tem bar na frente das igrejas) A hospitaleira, muito gente boa, fará uma ceia comunitária. O albergue é enorme... mais de 40 camas. Acho que vai ser legal!

Dia 18 - La Calzada de Béjar - Fuenterroble de Salvatirre - 23 km


Ah! Ontem a ceia foi bacana. Mais bacana ainda foi ver a expressão de surpresa dos peregrinos quando me viram levantar na mesa e tocar uma música para eles. A maioria estava de cabeça quente por conta do dia difícil e nem sabia da existência do ukulele...


Hoje de manhã, todos eram só sorrisos. Gostei disso!


O Caminho deu uma trégua hoje. Foi super suave, e havia 3 bares neste 23 km. Parei em todos, claro. A maior atração deste trecho é o albergue paroquial em que estou.
 

Funciona por donativos, super rústico e exótico. A água é um pouco fria, mas a acolhida foi super calorosa. Às 20 horas o padre vai servir uma sopa! Vou precisar de vinho pq não vi aquecedores e tá frio bagarai.

Até a próxima terça-feira, com mais um resumo da semana do Diário da Sônia :)
 












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