terça-feira, 20 de março de 2018

Um viva aos bodes, vizinhos e lixeiros!


Por Daniela Carvalho 


Há muito tempo, num dia que está perdido no passado, eu ouvi de uma estranha a seguinte história:
Um casal feliz estava vivendo em pé de briga desde que a sogra tinha se mudado para a casa deles.
A “velha”, como o marido a chamava, era uma intrometida e dava conselhos errados para a filha, quase sempre deixando- o como vilão da história.

O casal estava prestes a se separar e só não tinha feito isso por causa dos filhos.
Eles tinham duas crianças, com idades de 4 e 7 anos, que já sentiam o clima pesado da casa e viviam tristes.
O pequeno demonstrava isso com crises de choro constantes, que duravam horas e horas.
O filho mais velho emburrava a cara por qualquer coisa e deu para mentir, dizia que ia para a escola e saia perambulando pela cidade, como um à toa.
A descoberta disso, aliás, tinha sido a razão para o marido ter ido procurar um sábio.
Enquanto o problema era a mulher e a sogra, vá lá..., mas quando passou a afetar os seus filhos, ele percebeu que a situação estava fora de controle e que precisava de orientação.

- O que eu faço? A vida em casa está um inferno, mas não posso deixar os meus filhos nessas condições.
- Compre um bode.

A princípio, o marido não compreendeu, achou até que tinha ouvido errado, mas se sentindo por baixo decidiu acatar o conselho sem questionar.
O bode se instalou na sala da família, que rapidamente se transformou no pior lugar do mundo. Fedia a bosta.
Em poucos dias, toda a família estava unida contra o bode.
A sogra não tinha tempo para conselhos porque foi acometida de uma forte crise de rinite e mal conseguia falar.
A esposa, sem a ajuda da mãe, limpava a casa dia após dia e vivia cansada demais para observar os defeitos do marido.
Os filhos, entretidos com a novidade do bode, ficaram mais tranqüilos.
E, no final, o marido percebeu que tinha uma família maravilhosa, que confiava nele e o apoiava em suas escolhas, mesmo tendo que suportar a bosta de um maldito bode.
A família, afinal, concordou que o bode era uma boa alma, pois trouxe mais bem do que mal aquela casa.
Com desordem e bosta, o animal fez com que todos enxergassem que nada pode ser tão ruim que não pode piorar e, por isso, deveriam valorizar o que tinham.

Isso foi mais ou menos o que aconteceu com os moradores da minha vizinhança.
Há alguns meses, um bode na pele de um ladrão, andou rondando as nossas casas até que, numa oportunidade, entrou em uma das residências – a minha – levando pequenos objetos, nada de muito valor.
Mas, criou um movimento nas redondezas e passamos a nos falar todos os dias através de um grupo no Whatsapp  chamado: “Movimento dos Sem Rua”.
Estamos todos atentos agora, se um estranho aparece na nossa rua, o nosso grupo bomba, com vários comentários. Nesta semana, aconteceu isso. Um rapaz “com ares de humildade” foi visto sentado na calçada, olhando “de forma suspeita” para uma casa.
O grupo bombou:

- Vocês viram esse rapaz sentado na calçada?
- Sim, muito estranho. Já liguei pra Polícia.

Não demorou até a polícia chegar ao local e abordar o suspeito.
Foi bem rápido. Eu acho que até a polícia já compreendeu que nosso grupo é organizado e não está pra brincadeira. Nosso lema é: “Na nossa rua, Não!”.
A polícia nos explicou, depois, que o suspeito era apenas um cortador de gramas e estava sentado na calçada aguardando o dono de uma casa chegar com o dinheiro do seu pagamento.

Ufa! Que alívio para todos nós.

Novamente o grupo bombou, todos se parabenizando pela agilidade com que a situação tinha sido resolvida graças a nossa união e tal. Prometemos continuar atentos e estamos.
Esse ladrão foi o bode que faltava para nos unir, antes mal nos conhecíamos e hoje já sabemos nossas profissões, horários e até se o marido está viajando, essas coisas.
È bom ter vizinhos com quem se possa contar e dividir as preocupações, mesmo que seja através da rede social.

Duvida ainda? Olha só o que aconteceu com a minha amiga que não tinha (e ainda não tem) vizinhos tão camaradas.
Ela passou por uma separação traumática. O marido a deixou por uma novinha e depois ela descobriu que ele estava envolvido com o tráfico de drogas.
A surpresa foi tanta que ela precisava ouvir a sua voz várias vezes falando sobre isso para tentar compreender como podia ter sido casada com um completo estranho por tantos anos.
Mas, a coitada da minha amiga não tinha vizinhos com quem conversar.
Um dia, ela estava na casa dela, sozinha, quando ouviu um barulho estranho no portão. Com medo de que fosse um ladrão, decidiu espiar, pronta para sair correndo. Mas, era apenas o lixeiro. Um cara conhecido, que todo simpático, perguntou:

- Tudo bem com a senhora e o seu marido?
- O meu “ex”- marido, você quer dizer? Blá, blá, blá...

Ela me contou que ficou desabafando com o lixeiro por, pelo menos, 40 minutos.
O coitado, com um saco de lixo em casa mão, ficava olhando aflito de um lado para o outro da rua, esperando o caminhão chegar para tirá-lo daquela situação.

Quando o lixeiro foi embora, a minha amiga entrou em casa, fechou o portão e suspirou de alívio.

- Eu me senti mais leve depois daquele desabafo!

Eu dei risadas e fiquei feliz por saber que ela estava se sentindo mais leve, só que depois eu fiquei pensando no lixeiro, o confidente de ocasião.
Eu tenho certeza que ele contou essa história pra esposa ou para os amigos, pois eu quero acreditar que isso não aconteça com ele todos os dias.
Será que achou engraçado ou ficou traumatizado? Eu ainda penso nele.
O poeta John Donne já dizia lá atrás que "Nenhum homem é uma ilha isolada”.
Concordo com ele mais do que nunca.
Tem horas que precisamos de um bode, outra de vizinhos camaradas e quem sabe um dia podemos precisar de um lixeiro confidente. Por enquanto, escolho os vizinhos.










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