quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Em que janela fiquei olhando o tempo sepultado?



Eu tenho medo de avião. 
E, aquela viagem não estava sendo diferente. Pra dizer a verdade, um pouco pior.
Eu estava triste por ter deixado o meu filho a poucas horas, sem saber quando iríamos nos reencontrar. 
Também estava sem a mão do meu marido para apertar na hora da decolagem e do pouso. 
O meu marido dorme a viagem inteira, mal o avião começa a andar na pista e ele já está dormindo, teve vezes de eu ter que cutucá-lo para que não roncasse.
Mas, dormindo ou acordado, segurar as suas mãos sempre me dá uma sensação de segurança.
Eu estava pensando nisso, enquanto olhava pela janela do avião.
Já era noite, algumas pessoas ainda procuravam os seus assentos.
Neste momento, dois homens – na faixa dos 50 anos ou mais – um magro e calvo e outro com uma barriguinha querendo sair da camisa – pediram licença e sentaram ao meu lado.
Eu tinha visto eles no aeroporto quando passaram por mim na sala de embarque.
Bem vestidos, apressados e sorridentes.
Chamo isso de lei da atração. Acontece direto comigo.
Uma pessoa estranha chama a minha atenção, seja por uma coisa boa ou ruim, logo ela está sentada ao meu lado.
Hoje, eu até evito reparar para não atrair.
O homem magro e calvo era também falante, como logo vim a descobrir. No começo ainda resisti à conversa, mas depois pensei que seria bom distrair as ideias.
O avião já estava se preparando para decolar e qualquer coisa parecia melhor do que ficar pensando na falta que a mão do meu marido fazia ou quando veria o meu filho novamente, se é que veria depois que aquele avião...
Ouvi quando ele me contou que trabalhava na área de marketing de uma grande empresa de tecnologia e que estava voltando de um encontro em um resort chamado Costão do Santinho.

- Um congresso de tecnologia? Interessante.
- Sim. Daqui a sete anos, o mundo será completamente diferente. Sete anos, só isso, você acredita?

Então, passou a me explicar que o mundo passará a ser dividido entre dois tipos de pessoas: aquelas que morrem e aquelas que não morrem.

- O chip dará um conhecimento ilimitado. Por exemplo, se o piloto do avião passar mal ou morrer, qualquer passageiro – com o chip – poderá pilotar o avião.
- E as doenças?
- As pessoas saberão da doença antes dela se manifestar e vão criar remédios para curá-la. Ninguém ficará doente.

De acordo com meu colega de avião, daqui a sete anos, só vai morrer quem Deus realmente chamar “com vontade” para junto dele.

- E quem não quiser usar o chip? Insisti. Podem existir pessoas que tenham medo de colocar um objeto estranho do cérebro ou simplesmente prefiram viver sem saber, não pode?
- Medo do chip? Mas, será algo muito simples, como beber água. E o poder do conhecimento será tão grande, todos vão querer colocá-lo, pode ter certeza.
- Então, o chip será algo bom?
- Tirando o fato de que será muito caro e que não teremos mais privacidade, sim, acho que será formidável.
- Se vai ser assim, mesmo com chip, o mundo não será tão diferente. Respondi, com uma risadinha.

Depois, com a desculpa de que estava com sono, virei para o lado da janela e fingi que estava dormindo. Na verdade, eu fiquei olhando a noite enquadrada na janela do avião. Eu sabia que existia uma imensidão lá fora, mas de onde eu estava só podia ver um pedacinho.
Lembro ter pensado se daqui há 7 anos eu estaria pilotando um avião. Pensamento fugaz.
Bastou a primeira sacudidela pra ter uma certeza: Eu trocava todo conhecimento naquele momento só para não sentir medo. Será que vai existir um chip para isso?

Nenhum comentário:

Postar um comentário