quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O dia em que Clarice adiou o meu choro


Dia 21 de janeiro.

1720 - Suécia e Prússia assinam o Tratado de Estocolmo.
1793 - Luís XVI da França é executado pela guilhotina.
1911 - Ocorre o primeiro Rali de Monte Carlo.
2017 - Descarrilamento de trem na Índia
2019 - Encontro Todos por Elas na Literatura: Livro Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector | Mediadora: Daniela Carvalho Outi

Como boa aluna, eu tinha feito a lição de casa e me sentia preparada para esse desafio. Eu tinha lido o livro mais de uma vez, feito anotações, passeado pelo universo literário da autora, entre crônicas, contos e poemas, e vislumbrado um pouco do seu mundo particular.
Mas a vida queria muito mais do que isso. Ela queria o meu choro.
21.01.2019 - Neste dia, poucas horas antes deste Encontro, a minha avó Zenita voltou para sua casinha no céu.
Baixinha, de olhos azuis e cabelos loiros, ela era gentil, educadíssima e um pouco tímida, mas não se engane, tinha uma personalidade forte e sabia como ser muito teimosa quando queria.
Ela gostava de me contar as histórias da sua vida e, às vezes, pedia para eu lhe aplicar o reike.

- Estou com uma dor aqui, não consegui dormir a noite toda.

Eu fechava os olhos, imaginava todas as boas energias do universo e bem devagarzinho ia passando as mãos em volta do corpo da minha avó.
Quando eu terminava, ela sempre estava dormindo. Hoje, ainda posso ver, de olhos fechados, o formato dos seus pés e mãos e ainda sentir a textura macia dos seus cabelos.
A minha tia Rosa me contou que, quando estava inconsciente no hospital, em uma de suas internações, a minha avó começou a falar sozinha como se estivesse me contando uma história.
Nem preciso dizer o quanto isso me deixou e ainda me deixa emocionada.
Eu ainda não tinha pensado nisso, só agora enquanto escrevo, mas o prazer de contar histórias talvez tenha sido uma herança que adquiri da minha avó.
Ela também dizia que eu era um “passarinho”, no sentido, de que tinha nascido livre para sonhar.
Sonhadora, eu concordo. Livre, quem me dera. Infelizmente, eu tenho muitas algemas que me prendem a mim mesma. Mas, era bom me imaginar aos olhos dela.
Se eu fosse um passarinho, hoje, eu tentaria voar até o céu e cantaria bem alto para que ela me contasse novamente as suas histórias.

– De onde você mora, pode nos ver?

Mas, talvez não seja necessário. Eu sei que não é. As histórias mais importantes já estão guardadas dentro de mim há muito tempo. É somente a vontade de ouvir sua voz mais uma vez. Só isso.
E o Encontro Literário? Você pode estar se perguntando.
Ele aconteceu. A vida tem seus próprios meios de contar uma história.
Em todo o tempo que li e reli o livro, jamais imaginei que o título fosse fazer tanto sentido para mim. Perto do Coração Selvagem.
Enquanto eu falava de Clarice e de todos os sentimentos subtendidos, escondidos nos espaços em branco, entre uma palavra e outra, fui adiando a vontade de chorar.
Clarice adiou o meu choro e me fez parar para sentir, sem dor, emoções infinitas.
Todas as frustrações, tristezas, medos e dúvidas foram confrontadas e faladas em voz alta. Dizem que os fantasmas não resistem a luz.
O meu coração que estava cheio de emoções selvagens foi, aos poucos, se acalmando.
Quando o encontro terminou, eu percebi que já não sentia tristeza, mas uma imensa gratidão pelo tempo em que convivi com a minha avó.
Se eu pudesse conversar com ela mais uma vez, diria:

- A sua vida está guardada em mim.

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