segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Pequena África: História de Luta e Resistência

 

A primeira vez que li sobre o cemitério dos pretos novos, onde eram lançados os africanos que chegavam ao cais do porto do Rio de Janeiro à beira da morte, após a travessia do Atlântico, foi no livro “Tempos Extremos”, da jornalista Miriam Leitão. 
Já faz tempo que eu li esse livro, mas nunca me esqueci da história, então, na última vez que fui à cidade estava decidida a conhecer esse lugar.
Para chegar até lá, eu peguei o VLT e desci na zona portuária, na região conhecida por Pequena África, que engloba também os bairros Gamboa e Saúde. A primeira parada foi no Cais do Valongo, construído em 1811, onde desembarcaram cerca de 1 milhão de africanos escravizados.


O local foi aterrado, em 1911, para dar lugar à Praça do Commercio, mas cem anos depois foi redescoberto nas obras do Porto Maravilha. Atualmente, é considerado Patrimônio Mundial da UNESCO.

Ao desembarcarem no Cais do Valongo, os africanos que sobreviviam à viagem transatlântica recebiam o passaporte para a senzala. Os que não sobreviviam tinham seus corpos submetidos a enterro degradante.


Em 1996, o casal Mercedes e Petruccio dos Anjos começou a reformar sua residência, na rua Pedro Ernesto nº 36, no bairro da Gamboa, e na medida em que perfuravam o solo, com o uso de pás e picaretas, encontraram uma grande quantidade de ossos humanos.

Atualmente, neste local, foi construído o Memorial dos Pretos Novos, um sítio arqueológico e centro cultural, localizado em um casarão do século XVIII.


Durante a pesquisa, os arqueólogos encontraram o corpo de uma jovem africana capturada e sequestrada para ser comercializada no mercado da escravidão, no Rio de Janeiro, mas não resistiu aos maus tratos.


A equipe de Arqueologia batizou o achado de Bakhita (bem-aventurada, em dialeto núbio – Sudão).

A Pequena África, no passado, concentrava o lado negro e pobre do Rio, e hoje é conhecida como reduto do samba e de resistência da cultura africana. Para compreender essa história, nós visitamos a Organização Cultural Remanescentes de Tia Ciata (ORTC), fundada por Gracy Mary Moreira, bisneta de Tia Ciata, em 2007.


Ela nos contou que, na época em que as rodas de batuque africano eram proibidas, grandes figuras como Pixinguinha, Donga, João da Baiana e Heitor dos Prazeres se reuniam na casa da ialorixá Tia Ciata (1854 - 1924).

Os homens da lei faziam vista grossa porque ela tinha fama de curandeira, muitas vezes era chamada para ajudar enfermos e doentes em suas casas. Inclusive, teria ajudado o então presidente da República, Wenceslau Brás, com um machucado na perna que não cicatrizava.

Nascida em 1854, em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, Tia Ciata foi criada em meio a uma família de mulheres negras que trabalhavam como cozinheiras e serventes.


Ao se mudar para o Rio de Janeiro, ela passou a trabalhar como doceira na Rua da Carioca para ajudar em casa e sustentar os filhos.

Paramentada com turbantes na cabeça e volumosos vestidos brancos, iniciou o movimento das Tias baianas junto com Tia Amélia do Aragão (mãe de Donga), Tia Presciliana (mãe de João de Baiana), Tia Veridiana (mãe de Chico da Baiana) e Tia Fé da Mangueira.

Essas senhoras, por vezes mães-de-santo, que abrigavam os sambistas, quando eram marginalizados, hoje, são homenageadas com uma ala na Escola de Samba.

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