segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Alma Bonita

 

No dia em que o meu pai chegou em São Sebastião vindo do Ceará, ele se envolveu em uma briga de rua. Para salvar a honra, raspou a peixeira no chão e se dispôs a matar ou morrer. É bravo e nunca deixou de ser. Ele também compra flores, canta músicas e escreve bilhetes de aniversário. 

A minha mãe tem a mente mais afiada para cálculo. Não observa as flores e é desafinada. Ela adorava ficar grávida e queria ter cinco filhos.

Contradições? Eu cresci em meio a elas. Talvez isso explique porque desconfio tanto das palavras que levam à generalização, como por exemplo: todos os homens são durões, assistem futebol e não sabem trocar fraldas; todas as mulheres são delicadas, não sabem dirigir carro e sonham em casar. Todos e todas são apenas pronomes indefinidos e imprecisos. 

Esse é o risco de generalizar, simplificar ou, como diria a escritora nigeriana Chimamanda Adichie: o perigo da história única.  

No dicionário, por exemplo, a palavra “feminino” aparece como significado de mulher. Mas, o que é ser mulher? No século 17, época da escritora, poeta e primeira feminista, Nísia Floresta, ser mulher significava  nascer como um ser incapaz e com um intelecto inferior. Ainda bem que a Nísia não se deixou levar pela definição.

A escritora Simone de Beauvoir, autora do importante livro Segundo Sexo, escreveu a célebre frase: - Não se nasce mulher, torna-se mulher. Então, eu pergunto: Se a mulher é um sujeito em construção, como é possível definir o feminino? Se o homem é um sujeito em desconstrução, como é possível definir o masculino? 

E, assim, nós chegamos ao século 21, quando a diversidade de sexual e de gênero é uma verdade incontestável. As definições do que é masculino e do que é feminino não se justificam mais. As palavras não excluem, ampliam.

Neste universo ampliado e infinito, cada um de nós segue por um labirinto chamado vida. As escolhas pessoais, sociais e culturais guiam os nossos passos, mostram caminhos e direções.

A liberdade de ser é bonita.

(PS: Esse texto foi feito para a Exposição Feminino, que reuniu um coletivo de artista, na Casa da Cultura, em São Sebastião, em março de 2020.

Assista o Documentário Feminino, de Paulo Alberton: https://youtu.be/ijKsAUcHqbQ

 

 

2 comentários:

  1. Gratidão por esse texto lindo e verdadeiro.

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    1. Gratidão é uma palavra bonita. Devolvo o presente com outra palavra: Vida. beijos

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