sexta-feira, 23 de março de 2018

Histórias de viagens: galley, a cozinha do avião


Por Valéria Souza Ramos


Depois de tantas idas e vindas da pátria amada Brasil para o mundo, não poderia deixar de apreciar um cantinho dentro de um avião. - Você conhece o galley? É um lugarzinho especial reservado para os comissários guardarem e organizarem as comidas e bebidas oferecidas nos serviços de bordo. Cada aeronave tem um design diferente, algumas têm galleys instalados no final e no meio do avião e outras somente no final.
Voar é uma experiência prazerosa para muitas pessoas, mas para outras é um momento cansativo, inquietante e até desagradável. Sempre observo a dinâmica do trajeto quando o avião está no ar. Muitas vezes, em voos longos, de 13 a 15 horas, dá para notar o desconforto de alguns passageiros e mais ainda da equipe de bordo.
Tenho um ritual especial quando entro no avião. Geralmente, me acomodo da melhor maneira, seleciono os filmes que desejo assistir durante o trajeto, deixo um livro por perto e rezo.
Logo após a decolagem, quando liberam o sinal verde e podemos nos levantar, faço uma visitinha até o galley para tomar um drink, claro que isso dependendo horário. Gosto de tomar um copo de vinho, que me ajuda a relaxar para ter algumas possíveis horas de sono, já que tenho dificuldade para dormir durante o voo.
Também podemos esperar pelo serviço de bordo, que normalmente passa uma hora depois da decolagem, dependendo do voo. Mas com meu jeitinho de brasileira, que mora na Arábia Saudita, costumo solicitar algo e em seguida ganho a simpatia das comissárias que se solidarizam por eu viver em um lugar onde não é permitido o consumo de bebidas alcoólicas.
Chego a perceber nos olhos delas uma certa pena, por morar num país que para muitos é considerado extremista quanto às regras de comportamentos.
Talvez elas pensem: coitada desta pobre mulher que só pode viver escondida por baixo daquelas vestes negras, as abayas ou burcas, e segurar um copo de chá nas mãos. A solidariedade é instantânea e muitas vezes até me agradam com champanhe que só é servido na primeira classe.
Então, a minha frase preferida no galley é essa: “One glass of white wine please! I am coming from Saudi Arabia” (Um copo de vinho branco, por favor, eu venho da Arábia Saudita).


Nos meus 18 anos vivendo fora do Brasil, fazendo muitas viagens internacionais, tive o privilégio de conhecer pessoas interessantíssimas no galley, além dos mais variados tipos de comissários.
Há os simpáticos, que se desdobram para te agradar e amenizar a viagem. Também há aqueles que se esforçam para te acolher com educação, mas que preferem servir copos generosos para que você volte logo para seu lugar, fique sentada e não apareça mais até o fim do voo. Escutei de uma comissária certa vez, que, em geral, os brasileiros e italianos são os povos que mais frequentam o galley para um bate papo, um drink ou para esticar as pernas.

Alongando as pernas, algo sempre necessário em voos longos

Eles chegam até a fazer pequenas festas, com sua simpatia e descontração. Algumas vezes, os comissários precisam pedir que o comandante do voo acione o sinal vermelho, alertando sobre turbulências, para poder espantar o pessoal do galley. Abrem uma exceção quando há uma artista famosa a bordo que resolve celebrar com os fãs.

A cantora Rihanna oferecendo champanhe para os companheiros de voo
São tantas as histórias que escutamos por lá. Normalmente, há pessoas que estão em trânsito ou voltando aos seus países e que se sentem prisioneiras nas poltronas do avião, com tantas novidades para compartilhar.
Tenho uma lembrança gostosa de uma escritora de 82 anos. Ela estava sentada ao meu lado e me contou sua trajetória profissional como docente na Fundação Getúlio Vargas e como autora vários livros.
Depois de tudo o que fez, curtia viajar pelo mundo com a filha, provando que não há idade para ser feliz e colocar a mochila nas costas. Naquela ocasião, ela ia dar um mergulho nos mares da Croácia.
Minhas primeiras experiências de voos foram pela Europa, curtindo sempre as paisagens de montanhas nevadas, de países com tanto verde, tanta natureza e beleza. Nos últimos sete anos os voos mais frequentes foram pelo deserto.
Confesso que muitas vezes, retornando do Brasil para Arábia Saudita e sobrevoando o Kuwait e Iraque, os vizinhos em guerra, sentia um desconforto tremendo e uma grande tristeza.
A maior criação de Deus poderia ser mais harmoniosa! O por do sol laranja mais intenso, um dos mais lindos que vi na vida foi sobrevoando o Kuwait. Pedi a Deus Paz universal, tudo poderia ser tão mais simples!


Pausa para o último drink antes de chegar na casa árabe. Lá encontrei um comissário marroquino, muito simpático e ágil. Ele ficou com pena de mim e me ofereceu o champanhe que seria para o pessoal da primeira classe. Claro que amei e passamos uma boa meia hora conversando, ele me fez confissões sobre sua vida, como se eu fosse sua terapeuta há anos.
Quanta solidão, quantas angústias e quantas expectativas nos corações daqueles que vivem no ar. Depois, com alegria e descontração, ele também me contou que muitas das comissárias orientais, muçulmanas se sentem constrangidas ao servir bebida alcoólica. Elas também não conseguem se descontrair e extravasar suas emoções num ambiente de trabalho. Ele elogiou o comportamento dos comissários latinos, sempre solidários e descontraídos, facilitando o convívio num espaço tão limitado.
Não se pode generalizar, mas sempre escutei isto nestes 18 anos fora da pátria amada. Dizem que o nosso povo é mais alegre e flexível, que fazemos a diferença em qualquer lugar. Então, imagina minha alegria quando encontro uma comissária brasileira.
Fomos por muito tempo clientes fidelidade da Qatar Airways, uma companhia para qual tiramos o chapéu, assim como para o país. Agora, por conta dos desentendimentos diplomáticos entre a Arábia Saudita e o Qatar, foram cancelados todos os voos do Qatar que partem da Arábia Saudita. A Qatar Airways não entra mais no país. É uma pena. Estamos voando pela Emirates, que felizmente é uma companhia tão eficiente quanto a Qatar Airways. Devo confessar que estas foram as melhores companhias que já experimentei, comparadas com as europeias e americanas. Algumas vezes, quando meu marido voa a trabalho, temos o privilégio de voar na business class. Literalmente nos levam aos céus, com tanto conforto.

Mimos para os passageiros da primeira classe da Emirates, os melhores chocolates suíços

Outro lugar interessante dentro de uma aeronave e que muitas vezes passa despercebido é a cabine de descanso para a tripulação. Estes comissários que te recebem sorridentes são profissionais que, além de estarem ali para nos servir, também merecem um descanso.
A vida deles é viajar de avião, fazendo voos super longos, mas onde será que eles ficam durante a viagem?
Bom, dependendo do avião eles podem descansar em pequenas cabines que servem como quarto. Cada modelo de aeronave possui um tipo específico, de acordo com as necessidades da tripulação e da companhia aérea. Mas, geralmente, as áreas de descanso estão logo acima dos passageiros, como é o caso do Boeing 777.O Airbus A380 tem uma área de descanso mais luxuosa. São detalhes técnicos que fazem toda a diferença na categoria de um voo.


Viajar nestas grandes aeronaves é sempre uma experiência diferente e enriquecedora. Realmente é impressionante como nos damos conta da dimensão do mundo quando estamos dentro deste brinquedinho chamado avião!

Esta foto fiz sobrevoando o deserto e ficará em minha memória para sempre...





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