No final do mês de dezembro, eu tirei alguns dias de férias
e mergulhei no mundo maravilhoso dos livros. Já estava mesmo na hora porque a pilha de livros estava
grande, sempre que olhava para ela me lembrava da torre de Babel.
Passar perto dela para dar aquela empurradinha, só para
garantir que não fosse cair, estava virando quase um costume, kkkk.
Você deve pensar, mas porque você não tirava os livros da
pilha ao invés de ter o trabalho de arrumá-la diariamente?
Ora, cada louco com as suas loucuras!
Tem gente que sente que precisa tirar férias quando começa a
miar igual a um gato ou guardar o celular na geladeira, no meu caso, é o
acúmulo de livros não lidos.
Quando percebo que a pilha de livros está muito alta, eu sei
que é hora de tirar férias.
Desculpa se me alonguei muito na explicação, a ideia deste
post não é falar sobre minhas manias e etc.
Aliás, ficar ressaltando isso dá uma pinta danada da minha
idade. 42 anos. Jovem que é jovem não escreve, abrevia.
Coisa que, aliás, eles estão muito certos ao fazer, nós devemos
seguir o ritmo do nosso tempo para não sermos deixados para trás.
Por falar sobre o ritmo do tempo, eu tenho algumas amigas
que para aliviarem o peso da idade ao chegar aos quarenta anos, escrevem: -
Uhuuuu... 4.0!
Demorei alguns segundos para entender que pontinho era esse
entre o 4 e o zero.
Mas, depois entendi que estavam tentando se equiparar ao
motor de um carro e mostrar que estão mais turbinadas do que nunca.
É uma atitude otimista, sem dúvida. Bacana isso. Eu também vou
adotar essa ideia.
Quando atingir 5.0 eu vou ser tipo “Velozes e Furiosos”!
Não é incrível envelhecer com otimismo! Não apenas incrível,
corrijo, mas completamente necessário.
Ficar velho e ainda por cima chato é pior do que ter que
cumprir a promessa dos outros.
Esse assunto foi muito bem tratado por Simone de Beauvoir,
aliás, como essa danada escreve bem! Eu sou fã de carteirinha.
Já visitei até o túmulo dela em Paris. Fui até lá por acaso,
mas quase morri de emoção ao encontra-la ali. Ou melhor, encontrar o túmulo
dela.
Escrevi até um bilhetinho e prendi com uma pedra para
garantir que não voasse.
O que eu escrevi? Nada demais. Apenas o meu nome para o dia
em que nos encontrarmos, quero muito ser amiga dela nem que seja no alto e
além.
Como disse antes, cada louco com as suas loucuras.
Mas, enfim...
Beauvoir lançou o livro “A Mulher Desiludida”, em 1967,
pouco antes de completar 60 anos de idade e nele publicou três contos incríveis:
A idade da discrição, Monólogo e a Mulher Desiludida.
O que mais tocou o meu coração foi o conto que tem o mesmo
título desta crônica: A idade da discrição.
Quando comecei a ler este conto, cheguei a pensar que se
tratava um pouco da história de Simone e Sartre, com alguns toques diferentes
pra não deixar tão explícito.
Na última capa do livro, ela explica que não. Diz que
procurou transmitir aos leitores algumas experiências das quais participou de
forma indireta, que havia recebido confidências de muitas mulheres de cerca de
40 anos, abandonadas pelos maridos.
Mas, esse papo de solidariedade feminina não me convenceu
muito, por isso, quando nos encontrarmos vou perguntar a ela.
Vou falar um pouquinho deste conto. Ele narra a história de um
casal de intelectuais maduros, ambos de esquerda, em conflito com as posições
cada vez mais conservadoras do filho, Philippe.
A história é bacana, o que eu gostei mais foi dos diálogos
entre o casal, quando tentam consolar um ao outro mostrando as vantagens de
envelhecer.
No início, o marido está mais desanimado e é consolado pela esposa.
- Perde-se mais do que
se ganha. Verdadeiramente, não vejo o que se ganha. Você pode me dizer?
- É agradável ter
atrás de si um longo passado.
Tem outro diálogo muito forte:
- ... Não vejo o que
se perde envelhecendo.
Ele sorriu:
- A mocidade.
- Não é um bem em si.
- ... A seiva, o fogo,
que permite amar e criar. Quando se perde isso, perde-se tudo.
Mas, após os conflitos com o filho e ter um livro rejeitado
pela crítica, que a acusa de falta de originalidade, os papéis se invertem, a esposa
fica desanimada e passa a acreditar que a partir dos 60 anos a pessoa está
condenada a se repetir.
- O que vai fazer
então?
- Nada... Bruscamente,
é o vazio.
- Compreendo que
esteja aborrecida... De repente, um dia, uma ideia virá.
- Veja como se é
otimista quando se trata do outro.
Os dois seguem neste ritmo desencontrado até o finalzinho,
quando decidem abrir os corações cansados e falar com franqueza sobre as manias, medos e aborrecimentos que surgiram com a velhice.
É como se tivessem se reencontrando num tempo de total
lucidez.
- Não olhemos muito
longe.
- Você tem razão.
Sempre digo que tem sorte quem consegue envelhecer. Com
tantas doenças e colapsos nervosos da natureza é uma verdadeira sorte chegar a “idade
da discrição” com saúde e um amor para chamar de seu.
Mas, nem todos que chegam nesta fase da vida conseguem
observar a sorte que possuem, se prendem em uma teia de reclamações e passam os
dias se queixando de dor aqui e acolá e se concentram nas perdas que tiveram
pelo caminho, em alguns casos, a lista é extensa.
Outros vivem como se já tivessem morrido mesmo estando com
plena saúde.
Relaxam na higiene, agem como se não tivessem que respeitar
os outros e passassem a ter autorização para serem mal criados e folgados,
abusando daqueles que estão ao redor.
Em uma parte do livro, quando a esposa está questionando a
mudança de comportamento do marido, que passa a ser mais otimista, ele explica:
- Não quero ser um
velho chato. Velho, tudo bem, chato, não.
Eu achei essa frase ótima, daquelas que eu quero levar para o
futuro, se tiver a sorte de chegar aos 60, ou melhor, 6.0.
Ninguém vai segurar essa velhinha aqui, kkkk
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