Há pouco tempo, durante o encontro com o meu grupo de
escrita criativa, eu li o conto “A Terceira Margem”, de Guimarães Rosa.
Conta a história de uma família que precisa aprender a
conviver com a decisão do pai que, certo dia, sai de casa sem dar nenhuma explicação
e passa a morar dentro de uma canoa.
A canoa permanece no meio de um rio, o pai rema de um lado ao
outro e evita qualquer tipo de aproximação.
O que o levou a partir? Há quanto tempo ele estava
planejando fazer isso? Se alguém tivesse percebido sua intenção, teria
conseguido faze-lo mudar de ideia?
Enquanto todos querem compreende-lo, o pai permanece
distante. Ele vai para uma terceira margem, um lugar que só existe dentro dele,
inalcançável para todos os outros, mesmo aqueles que o amam e desejam estar
próximos.
A falta de uma explicação que pudesse condenar ou justificar
a ausência dele, afeta a vida da esposa e dos filhos e faz surgir neles
sentimentos inexplicáveis: medo da loucura; culpa por não corresponder aos
anseios do pai; a admiração por sua coragem e capacidade de se adaptar a um
ambiente desconfortável, entre tantos outros.
A sua partida terá sido uma fuga de um casamento sem amor, a
realização de um sonho de infância ou ele apenas cansou da vida que levava, da
casa, dos filhos, do trabalho?
É uma ausência que não pode ser esquecida, apesar de
distante é como se todos estivessem presos a ele naquela canoa.
No final, só restam duas decisões: abandoná-lo à própria
sorte ou permanecer observando-o de longe sem esperar nada em troca.
Quando nós discutimos esse texto riquíssimo de
possibilidades, percebemos que não chegaríamos a uma única conclusão.
Para quem sonhava em mudar de vida, a partida do pai era um
ato de coragem.
Àqueles que foram abandonados viam na atitude dele o
desamor, o egoísmo.
Não importava a nossa conclusão, isso não mudava a história.
Eu saí de lá ainda com essa ausência incômoda nos meus pensamentos.
Existem ausências que nos consomem e nos adoecem.
Elas gritam alto dentro de nós.
Porque isso aconteceu? O que eu fiz para ele agir assim? A culpa foi minha? Eu poderia ter feito mais por ele? Tomei a decisão certa?
Quanto mais penetramos nesta ausência de gente, ausência de resposta... despertamos os monstros que
estavam adormecidos dentro de nós: angústia, depressão, tristeza, insônia, medo...
Existem ausências que são tão poderosas que ganham vida,
peso, cheiro, textura.
A gente não vê, mas sente a respiração dela, escuta a sua
voz, observa quando ela toca em nossas mãos.
São ausências que nos aprisionam quanto
mais procuramos por respostas.
A ausência pode interferir em destinos e às vezes a única maneira de se libertar dessa constante falta de alguém - dessa presença oculta - é aceitar as coisas como são e amar mesmo na solidão.
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