segunda-feira, 20 de abril de 2020

Daniela por Daniela


 
 Não que eu me arrependa das minhas escolhas, afinal, elas me trouxeram a vida que eu tenho, gosto dela, gosto principalmente das pessoas que fazem parte dela.

Gosto da minha família, amigos e também de mim. Estou feliz a maior parte do tempo, a outra – a eterna insatisfeita -, coitada, vive perdida, sem saber quem é, qual o seu propósito e se pergunta o que aconteceria se ela desaparecesse hoje, agora?

Não sei de quantas partes eu sou feita mas, há alguns anos, eu ainda tinha 30 e poucos, percebi que viver entre duas metades tão diferentes estava me deixando muito confusa.

Decidi que chegara a hora de dar uma trégua, fazer as pazes com a parte estranha de mim e deixar aqueles ao meu redor mais felizes e tranquilos.

Eu estava buscando um jeito de fazer isso, quando uma amiga jornalista, editora de um caderno de cultura de um jornal respeitado, me ligou certa manhã para conversar e contar uma história impressionante, pelo menos foi isso o que senti na hora.

Eu não vou revelar o nome dela, mas se ela estiver lendo sei que vai se lembrar...bem, a não ser que ela tenha contado essa história para outras amigas, afinal, quando tudo é demais acaba transbordando e escorrendo por todas as partes, como lavas de vulcão, até secar, endurecer e passar a fazer parte da paisagem até, naturalmente, ser esquecida.

Se for o caso, talvez ela goste de saber que eu não esqueci sua lava, ou melhor, sua história. Mas, então, chega de enrolação, vou contar logo.

Ela me ligou para dizer que havia ido a um psiquiatra para fazer regressão e conhecer suas vidas passadas.

Antes, explicou que o seu 2º casamento estava muito ruim e o motivo eram os seus medos, que a tornavam possessiva com o marido e presa a um monte de regras: não subir rampas com o carro, não deixar as filhas dormirem na casa das amigas ou de parentes, etc e tal.

Confesso que a história me pegou na hora, principalmente me identifiquei com a parte do medo. Eu mesma me considero uma pessoa muito medrosa.

A minha amiga me contou que conseguiu regressar no tempo, com a ajuda do psiquiatra, e viveu duas experiências diferentes.

Primeiro ela se viu em uma casa grande, com um vestido de época e disse que nunca havia se sentindo tão triste e solitária como naquele lugar.

Ao atender o pedido do médico, me explicou que passou a tocar nas paredes da casa e percebeu que havia morado ali, casada com um homem bonito e aventureiro, que a deixou sozinha, grávida de gêmeas, para lutar na guerra e nunca retornou.

Ela se tornou uma mulher amarga e infeliz, deixou as filhas aos cuidados das serviçais e quando as meninas tiveram idade suficiente foram embora, também nunca retornaram para casa.

Na segunda viagem que fez para sua vida passada, minha amiga estava em um carro pequeno, no banco ao lado do marido, eram recém- casados e estavam muitos felizes, mas sofreram um acidente, o carro capotou e ambos morreram na hora.

Apesar das histórias terem terminado muito mal e ela tivesse chorado rios e mares, minha amiga falou que agora estava aliviada e tinha compreendido que o problema dos seus relacionamentos era ela, somente ela.

Com esse conhecimento e disposição para mudar o rumo das coisas, havia feito as pazes com o marido, dado mais liberdade as filhas e estava dirigindo como nunca antes.

Claro, eu precisava ir neste psiquiatra. Lógico que tinha que ser ainda naquela semana, então, anotei o número do telefone dele, liguei e agendei a consulta.

Acho que foi numa sexta-feira, não me lembro bem, mas tenho quase certeza.

Enfim, dirigi até São José dos Campos e, como não conhecia a cidade direito e estava ansiosa demais para perder tempo com outros pensamentos, estacionei o carro em um shopping e fui até o consultório de táxi.

Na minha hora, fui levada até o consultório e encontrei um homem alto, meio gordinho, com os cabelos grisalhos e presos a um rabo de cavalo. Eu o achei simpático.

Ele me perguntou qual era o meu problema e respondi que gostaria de me conhecer melhor, havia uma parte de mim que era estranha, insatisfeita e fazia as pessoas ao meu redor infelizes.

Nesta hora, o psiquiatra começou a fazer perguntas sobre os meus pais, como era o meu relacionamento com eles. Eu disse que, numa escala, oscilava entre normal e maravilhoso.

Mas, ele não pareceu satisfeito e começou a fazer perguntas sobre o meu pai, minha mãe, infância, adolescência e fui ficando irritada.

Eu não estava ali para reviver aqueles momentos até porque eu ainda me lembrava deles muito bem e sabia que o problema não estava ali, se estivesse eu já teria resolvido.

Não, eu queria fazer a regressão e descobrir algumas respostas para a outra parte de mim que não me deixava em paz.

Mas, após 1 hora de conversa, o médico finalizou a consulta.

- Doutor, eu queria fazer a regressão, eu vim de São Sebastião até aqui só para isso?

- Eu não faço isso na primeira consulta, agende outra data. Hoje foi apenas para nos conhecermos melhor.

Eu fiquei muito frustrada e já estava saindo do consultório quando tive uma “brilhante” ideia, decidi retornar e fazer uma proposta ao médico.

- E se eu agendar a próxima consulta para agora mesmo? A gente já se conhece e isso me pouparia ter que retornar para São José dos Campos, em outra data, sem saber se a regressão dará certo.

O médico olhou a agenda, fez um pouco de suspense e por fim concordou.

Lá voltamos nós dois para o consultório. O que aconteceu a seguir foi um pouco louco, até para mim e não sinto nenhum orgulho do meu comportamento.

Ele pediu para eu me deitar numa maca, diminuiu a intensidade da luz, se aproximou e pediu para eu tentar revirar os meus olhos para cima.

Enquanto eu fazia isso, não conseguia parar de pensar que o médico não deveria ter aceitado a minha proposta.

E se ele estivesse mal intencionado e se aproveitasse de mim naquela sala, enquanto eu estivesse em outra vida ou apenas deitada naquela maca?

Passei a duvidar do profissionalismo do médico, mas também pensei: - Já que me coloquei nesta situação, vou ter que sair dela de algum jeito.

Foi nesta hora que tive uma ideia, resolvi seguir tudo o que o médico falava, fingindo que estava em outra vida.

Quando ele me perguntou o que eu estava vendo, passei a descrever uma foto antiga em que aparece eu e minhas irmãs e uma bicicleta amarela que ganhei dos meus pais.

Se o médico percebeu que eu tentava enganá-lo, fingiu muito bem e não me disse nada.

Eu nunca retornei ao consultório, mas jamais considerei esse episódio com o psiquiatra um fracasso total.

Por exemplo, assim como aconteceu com a minha amiga, concluí que o problema sou eu mesma.

Não menos importante, confirmei o que eu já sabia: sou medrosa, desconfiada e impulsiva.

Daniela Por Daniela?

Por enquanto, desisti de procurar as respostas e estou mais preocupada em fazer as perguntas certas:

Daniela, quando você descobrir quem você é, o que acontecerá depois?



3 comentários:

  1. Pois é Daniela, não sou contra a regressão até porque, cada qual pode ter uma experiência na vida que nela acredite, e sua Fé possa prevalecer. Individualmente a vida é uma verdadeira caixa de surpresas, que nem mesmo Freud conseguiu explicar. Mas, as vezes certas respostas estão tão próximas a nos mesmos, porém, o impecilho é não querer ou nao conhecer e encarar realidades. Por momentos, não acreditar ou não aceitar a confiança de alguém mais experiente e próximo que lhe dê, que lhe passe a tal confiança. A vida é uma soma de experiências para quem se aproveita, assimilando fatos, tirando conclusões dela para usufruir em resultados. As vêzes você pode ter um psicanalista mais próximo do que pudera imaginar. Simples assim. Abraço Daniela.

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  2. ...já aconteceu algo semelhante comigo...estória tão grande que penso em fazer um blog tb...rsrsr...mas, Dani, acredita que o homem trancou a porta, girou uns cristais ao redor da minha cabeça...e ao contrário de voce,me levantei, falei um monte de desaforas para ele e ainda saí sem pagar a consulta, morrendo de medo!...esse homem me perseguiu por algum tempo e ligava para a minha casa frequentemente, me falando que a minha vida iria piorar a cada dia...procurei o Bispo da minha cidade que me deu uma bênção "Universal"...até hj vejo o malandro em porta de bares aqui da cidade, e sei que antes de mim, ele já havia tirado muita grana de outras pessoas...

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