quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O desconhecido


Há uma frase muito popular e que eu repetia sem pensar: “Não é possível mudar o passado, mas é possível começar agora e fazer um novo futuro”.
Mas, será que não é possível mesmo mudar o passado?
Outro dia eu encontrei com algumas amigas de infância e passamos a falar sobre as coisas que vivenciamos juntas.
Recordamos dos nossos professores, namorados, das brigas entre nós e do quanto nos divertíamos juntas.
E durante a nossa conversa descobrimos que as nossas lembranças sobre os mesmos fatos eram diferentes.
E assim, durante o pouco tempo que passamos juntas, o nosso passado foi reapresentado a nós em várias versões.
Cada uma de nós tinha a sua própria visão do passado. Mas, qual delas estava correta?
Essa dúvida me deixou incomodada porque de uma hora para outra o meu passado se transformou em um estranho.
Será que o menino por quem eu fui apaixonada no primário era tão bonito quanto eu me lembrava?
Será que a cocada que eu vi e não provei tinha um aroma tão maravilhoso como eu me recordava?
Eu passei a ter dúvidas.
Passei a questionar se os fatos da minha infância tinham acontecido da forma como eu lembrava ou se eu tinha mudado o meu passado, dado a alguns acontecimentos uma importância maior ou menor do que tiveram naquela época.
Será que com o passar dos anos, eu me transformei e passei a olhar para as coisas da infância de uma forma diferente?
Pensando bem, é normal que isso tenha acontecido.
Aos 42 anos, nem de longe eu sou a mesma garota que se apaixonou pelo coleguinha da classe ou que ficou completamente inebriada pelo cheiro de um doce.
Aliás, pra dizer bem a verdade, eu nem lembro direito do rosto do tal coleguinha, apenas que o achava bonito. Se o visse hoje, será que o reconheceria? Acho que não.
E se ele não fosse tão bonito quanto eu me lembrava? Se o aroma da cocada na verdade não fosse tão incrível?
Então, se isso é verdade, eu mudei o meu passado. Eu fiz isso por longos anos.
Será que você já fez isso também?
Reserve um tempo para conversar com a sua mãe, irmã ou amiga da infância e poderá se surpreender ao perceber que cada uma terá a própria visão do que ocorreu no seu passado.
Eu não sei por que isso acontece, mas desconfio que à medida que o tempo passa e nós envelhecemos a nossa memória se torna mais seletiva.
Assim, os fatos deixam de ter muita importância quando comparados às emoções que despertaram em nós.
Nós podemos esquecer a falta de comida na ceia de Natal, mas lembrar do sentimento que prevaleceu nesta ocasião como a cumplicidade, alegria e o amor.
Mas, nem tudo é simples porque quando falamos de emoção entramos em uma nebulosa, onde a realidade se perde.
Nem todos terão esses bons sentimentos diante de uma mesa de Natal desguarnecida.
Para algumas pessoas, esse fato despertará outros tipos de emoções: tristeza, frustração, medo, fome...
Por isso, as pessoas que estiveram juntas naquela noite de Natal, vivenciando os mesmos fatos, poderão ter lembranças diferentes sobre ela no futuro.
Cada uma delas vai interpretar aquela noite de forma diferente, de acordo com as emoções que sentiram.
E carregados de emoção somos levados a imaginar coisas que nunca existiram de verdade, mas que parecem muito reais.
Então, podemos mudar o passado?
Eu acho que sim, mas em parte.
Nós podemos mudar tudo que o que tínhamos e podíamos tocar com as nossas mãos, mas não podemos mudar o que sentíamos e podíamos tocar com o coração.
Neste final de ano que todos nós possamos refletir sobre nossas atitudes.
Sejamos todos colecionadores de boas memórias, colocando em cada coisa um sentimento amoroso.
Vamos presentear quem amamos com recordações afetuosas e inesquecíveis que caibam ou transbordem em seus corações.

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