Eu acredito que muitos da minha geração leram o primeiro
livro do escritor Marcelo Rubens Paiva, com título “Feliz Ano Velho”, onde ele
contou sobre o acidente que o deixou paraplégico quando ainda estava na
universidade, vivendo o auge da juventude.
Eu me lembro do livro, um verdadeira clássico, na década de
80, e da forma como o autor contou a sua história sem se colocar no papel de vítima
e até conservando certo bom humor.
Passados muitos anos, só agora, após ler o último livro do
autor, lançado com o título “Ainda estou aqui”, que eu pude compreender como ele
superou todas as circunstâncias e ainda nos presenteou na época com uma história
inspiradora.
Marcelo Rubens Paiva teve ao seu lado, durante toda a vida, uma
mãe que nunca aceitou o papel de vítima, era uma guerreira, que ele mesmo
descreve como sendo uma mulher de muitas vidas.
Neste livro, o autor abre o baú da memória para contar sobre
as perdas e as voltas por cima da sua família, mas ao fazer isso ele lança um
olhar ainda mais profundo para a sua mãe em um grande gesto de homenagem.
O ponto de vista escolhido pelo autor é de certa forma o
fator que torna essa obra especial.
Marcelo é filho do deputado Rubens Paiva, que foi morto
durante o regime militar. A família nunca conseguiu descobrir onde o corpo dele
foi enterrado. Só isso já daria um bom livro, não é?
Mas, a verdade é que já existem muitas obras literárias
narrando acontecimentos como esse.
Esse livro se diferencia dos outros porque o autor se
dedicou a contar a história a partir do ponto de vida da mãe, que como ele mesmo
escreve foi quem viveu de fato toda a turbulência daquela época e também
sobreviveu para mudar e fazer uma nova história.
Eunice Paiva esposa do deputado Rubens Paiva, esteve ao seu
lado quando foi cassado e exilado, em 1964. Após o desaparecido do marido, ela
precisa continuar em frente e se reinventar para sozinha criar os cinco filhos.
Em meio à dor e às incertezas, ela volta a estudar, torna-se
advogada, defensora dos direitos indígenas. Marcelo conta que ela nunca chorou
diante das câmeras.
“Foi minha mãe quem
ditou o tom, ela quem nos ensinou”, explica.
Claro, que passar por tudo isso teve um preço para a família
e isso fica muito claro. Marcelo descreve a mãe como uma pessoa prática ao
extremo, às vezes fria, como neste trecho:
“Quando eu queria colo
de mãe, apelava para as minhas avós, tias e mães de amigos, a quem me apegava.
Me apeguei até a professoras. Minha mãe deve ter me dado uns quatro beijos na
vida. Me levou duas vezes ao cinema, quando eu era criança, para ver filmes que
ela queria ver: Doutor Jivago e Lawrence da Arábia”.
Mas, aos poucos o autor revela sua admiração pela mãe. Por
isso, o livro é uma homenagem, mas também um acerto de contas.
No momento em que estava pronta para se aposentar e curtir
os netos, Eunice foi diagnosticada com Alzheimer e os papéis se inverteram. O
filho virou mãe da sua mãe.
Por um capricho do destino, se é que isso existe, a mulher
que venceu tantas adversidades e lutava para manter viva a memória daqueles que
morreram na ditadura foi trapaceada por
sua memória.
E, com esse olhar sensível, Marcelo narra os estágios da
doença sem adoçar as palavras ou ser politicamente correto.
O título do livro é cheio de significados, é uma das frases
repetidas por Eunice, especialmente quando estava muito emocionada, era um tipo
de alerta: Eu ainda estou aqui!
Esse é um livro emocionante e gostoso de ler. Eu terminei em
dois dias.
Tem drama, mas principalmente tem vida real, muita vida!
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