quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Crônica para embalar peixe



Em Agosto, eu fui convidada para dar uma palestra aos alunos do curso de Letras, da Faculdade Unip, São José dos Campos, para falar sobre “crônicas”, estilo de escrita que fica entre o jornalismo e a literatura, que eu adoto para escrever em meu blog e no meu livro Encantes, publicado em 2017.
Escrever crônicas é mais fácil do que falar sobre elas. Por isso, como não sou uma palestrante profissional, fiz algumas pesquisas sobre o assunto.


Entre outras coisas, descobri que grandes escritores brasileiros, como Machado de Assis, Raquel de Queiroz, Aluízio de Azevedo, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, entre outros, foram grandes cronistas.
Desses, me identifiquei bastante com Raquel. Não só por ela ser mulher, mas também por ter nascido no Ceará, terra do meu pai.
O tema das suas crônicas era muito variado, mas é possível perceber a intenção de chegar mais próximo possível do leitor para fazê-lo refletir sobre assuntos da atualidade.
Ela passeava os olhos pelo cotidiano e conseguia transformar um fato trágico em poesia, com uma escrita simples, linguagem coloquial, o que me encanta muito. Como em sua crônica, de 1971, “O caso dos bem- te- vis”.
“Por um beijo de passarinho, meio milhão de pessoas – que é esse o número de usuários de trem da Central no período – ficaram durante meio dia sem poder chegar ao trabalho: só o beijo imortal trocado por Helena e o Pastor Páris, que desencadeou o lançamento de mil navios e causou a guerra de Tróia, pode lhe ser comparado”. 
Onde todos viam o caos, Raquel via a poesia de um beijo. 
O escritor Machado de Assis também foi um grande cronista. Lendo sobre isso, encontrei um texto dele chamado “O nascimento da crônica”, onde diz que  esse estilo literário provavelmente nasceu da conversa de duas vizinhas.
“Essas vizinhas, entre o jantar e merenda, sentaram- se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar- se do calor...”.
Levo a crer que ele tem razão. Quando escrevo também é como se estivesse jogando conversa fora com os amigos, sem preocupação em saber quem tem razão, mas só para compartilhar. 
Eu gosto de comparar a crônica a um café com leite bem caprichado,  que conforta e acalenta. 
Ela não tem o glamour da poesia ou a pretensão de se tornar um romance, vencedor de prêmios e, talvez por isso, por não querer ser mais do que é, aproxima e faz com que as pessoas não tenham medo de se deixarem levar pelas emoções.
Para alguns escritores esse estilo é visto como algo menor por tratar de assuntos atuais que, no dia seguinte, poderão não fazer sentido e servirão – como dizem – apenas para embalar peixe.
De alguma forma, eles têm razão. Tanto que todos esses escritores que citei acima começaram a escrever crônicas em jornais.
No tanto, há vários tipos de crônicas e nem todas perdem o sentido com o tempo, como aquelas que despertam nossos sentimentos e nos fazem refletir sobre a vida.
A linguagem do coração é atemporal e, não importa a época ou personalidade, sentimos as mesmas emoções: dor, tristeza, alegria...
Mudam as circunstancias, mas os sentimentos não mudam. 
Esse estudo também me fez viajar pelo universo de escritores atuais, que escrevem crônicas com muita maestria, como Ruy Castro, Luiz Fernando Veríssimo e Martha Medeiros. Todos grandes na sua simplicidade. 
Confesso que conhecer um pouco mais sobre eles me faz sentir muito bem acompanhada.

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